27 de dezembro de 2011

Wicca


"Aos iniciados nos antigos Mistérios Pagãos era ensinado dizer: 
Eu sou filho da terra e do céu estrelado e não existe parte de mim que não seja dos Deuses.”

A Wicca é uma das poucas religiões da actualidade, que se propõe novamente a celebrar uma divindade feminina como Criadora de toda vida. Num momento onde sofremos seguidamente com as marcas que as religiões androcrásticas e heteronormativas nos deixaram, é compreensível que a Wicca seja uma das religiões que mais cresce no Ocidente. Busca recuperar o Sagrado Feminino e o papel das mulheres na religião como Sacerdotisas da Grande Mãe, além da complementaridade e equilíbrio entre homem e mulher, simbolizados através da Deusa e do Deus, que se complementam. A Wicca dá à Deusa um papel preponderante, quer nas suas práticas quer nos seus mitos, sendo assim é a principal Divindade adorada e invocada nos ritos sagrados.

As pessoas não se satisfazem mais com as religiões corruptas e políticas, de visões ultrapassadas sobre o mundo, com os mesmos discursos vazios que deixaram de nos inspirar há tempos. A Wicca é uma resposta a toda esta falta de significado espiritual proporcionada ao longo dos tempos pelas religiões que não fizeram outra coisa a não ser explorar o mundo e os seres humanos. Por ser uma religião altamente individualizada e de característica celular, a Wicca tem-se demonstrado uma religião perfeita ao homem moderno. Nela não há espaço para manipulações, joguetes políticos ou inadequação ao mundo contemporâneo. A Wicca é diferente para cada pessoa ou grupo. Tem sido assim desde o seu início e seguirá o sendo por muito mais tempo.

“Não se transforme naquilo que você rejeita!”
Victor Anderson, fundador da Tradição Feri de Bruxaria

Wicca (nome alternativo para a arte da feitiçaria moderna) é uma religião de natureza xamânica, com duas deidades reverenciadas e adoradas nos seus ritos: a Deusa (o aspecto feminino e deidade ligada à antiga Deusa Mãe no aspecto triplo de Virgem, Mãe e Anciã) e o seu consorte, o Deus Chifrudo (o aspecto masculino).
Os seus nomes variam de uma tradição wiccaniana para outra, e algumas delas usam nomes de deidades diferentes, tanto nos seus graus mais elevados como nos inferiores. Frequentemente, Wicca inclui a prática de várias formas de magia branca (geralmente com propósitos de cura ou para neutralizar a negatividade) e ritos para harmonização pessoal com o ritmo natural das forças da vida marcadas pelas fases da lua e pelas quatro estações do ano.

O INÍCIO DA RELIGIÃO DA DEUSA

A Wicca é uma religião de Mistérios e veneração à natureza com as suas crenças, práticas e profunda filosofia centrada no Paganismo.

Paganismo é um termo amplo e geral dado às formas de espiritualidade panteístas, animistas, totêmicas, de bases xamanísticas e na maioria das vezes politeístas que são centradas nas forças da natureza. O Paganismo não pode ser considerado uma religião, mas sim o pilar central que engloba o modo de vida, os conceitos espirituais e filosóficos no qual todas as expressões religiosas focadas na natureza se apoiam para o desenvolvimento dos seus fundamentos. Assim, poderíamos dizer que qualquer religião centrada na Terra e que não encare o Sagrado de forma transcendente e não seja monoteísta, é Pagã.

Assim, a Wicca é uma religião Neopagã, um nome alternativo dado à Bruxaria Moderna, que se inspira no Paganismo dos Antigos Povos da Europa e que se propõe a celebrar novamente a Deusa Mãe e os Antigos Deuses da natureza, criando e recriando os rituais das antigas culturas onde estas Deidades foram um dia celebradas. A Wicca é o reavivamento e a sobrevivência moderna desta Antiga Religião baseada na Terra e nas suas manifestações. As suas raízes espirituais estão no neolítico e paleolítico europeu, tempo em que os povos primitivos cultuavam a Deusa Mãe como a grande criadora, nutridora e sustentadora da vida.
Sabemos que, no início dos tempos, os homens acreditavam que a divindade criadora era feminina e não masculina, como foi estabelecido posteriormente com o passar dos tempos.

Neste período os homens sobreviviam basicamente da caça e pesca e adoravam as forças da natureza e principalmente a Grande Mãe, que era provedora de todo sustento. Uma outra divindade, o Deus Cornífero, considerado o princípio masculino da criação, também era reverenciado para proporcionar caças fartas e ao mesmo tempo protecção.

Durante milhares de anos os antigos povos europeus apelavam à Grande Mãe como a sua principal divindade, até que uma nova religião surgiria para tomar o posto do culto à Deusa e implantar a sua fé em solo europeu: o Cristianismo. O Cristianismo chegou na Europa em meados do século 400. Aos poucos a fé cristã foi-se espalhando e ganhando adeptos, conquistando as classes políticas e unindo os governantes. Por motivos políticos, muitos reis e líderes das tribos europeias foram romanizados e posteriormente cristianizados.

Clamando uma fé e Deus únicos, o Cristianismo passou a perseguir os Deuses e festividades Pagãs e sincretizar algumas das festas mais importantes do calendário Pagão, transformando alguns Deuses Antigos em santos para que os adoradores da Deusa fossem aos poucos assimilando a nova fé. O Deus Cornífero, o filho e Consorte da Deusa, representado com chifres na cabeça em alusão aos animais que protegia, antes celebrado como o princípio do bem, da fartura e abundância, foi transformado na figura do Diabo. Com isso, os Pagãos tiveram que passar a encontrar-se na clandestinidade e foram obrigados a participar na nova fé. Aos poucos a prática da Antiga Religião tornou-se impossível, de forma que aqueles que se mantinham fiéis a ela tiveram que se afastar para zonas rurais. Daí surgiu o nome “Pagão”, com origem no latim Paganus significando “povo do campo”, um termo usado muitas vezes para diminuir e depreciar os que ainda mantinham viva a chama do Paganismo e das muitas expressões da Religião da Deusa. Com o passar do tempo, o termo “Pagão” tornou-se num insulto usado pelos Cristãos para se referirem a todos os que não se tinham convertido à nova fé.

A partir de 1231, o Paganismo foi brutalmente perseguido e inúmeros dos seus continuadores foram julgados e executados através da Inquisição. Isto fez com que as práticas Pagãs entrassem num declínio crescente e constante. Os antigos mitos da Deusa foram-se, aos poucos, sendo transformados em contos, os seus rituais em crendices populares e por séculos parecia que a Antiga Religião Pagã havia definitivamente desaparecido.

O RENASCIMENTO

Em 1951, quando a última lei ainda existente contra a Bruxaria foi revogada na Inglaterra, Gerald Gardner, considerado o pai da Bruxaria Moderna, decidiu revelar que as práticas da Bruxaria da Europa antiga não haviam morrido, mas continuavam vivas e ainda eram praticadas no interior dos Covens e por muitas famílias de Bruxos sob um novo nome de Wicca!

Gardner publicou algumas obras que revelavam um pouco da prática do seu Coven, dentre as quais o famoso livro Witchcraft Today (Bruxaria Hoje), e assim lançou uma nova luz às práticas da Bruxaria, dando origem a um grande movimento Neopagão de reavivamento e recriação das práticas e ritos da Velha Religião.

De lá para cá, o movimento Pagão cresceu substancialmente e muitos bruxos decidiram sair das brumas, revelando os ensinamentos da Antiga Religião ao mundo. E assim, em pleno florescer do século XX, surgiu uma religião que buscava celebrar novamente a natureza encontrando inspiração para os seus ritos na antiga religiosidade da Europa e no culto à Deusa, considerada a própria Terra.

A Wicca é, então, a reconstrução moderna da Antiga Religião dos povos da Europa, visto que muitos dos mistérios, rituais e práticas se perderam desde a época em que o Paganismo foi perseguido. Exatamente por este motivo, a Bruxaria Moderna na sua construção foi largamente influenciada pela espiritualidade de diferentes culturas europeias, indo desde a Celta até a Grega ou Romana. No entanto, muito da sua filosofia e liturgia baseia-se no antigo calendário e religiosidade do povo Celta, que se espalharam pela Europa e que provavelmente foi a cultura que mais preservou o culto à Deusa.

A palavra Wicca vem do inglês arcaico Wicca que significa girar, dobrar e moldar. Encontramos outras palavras na mesma raiz, sempre a ligando a algo mágico ou sagrado. Alguns investigadores dizem que o termo Wicca é de origem do indo-europeu "Weik", significando algo como magia. Outros afirmam que ela vem do anglosaxão "Wic" significando sábio. Outros estudiosos, porém, afirmam que esta palavra vem da raiz germânica “wit”, que quer dizer “saber”. Deduzimos daí que a palavra WICCA significa “a sabedoria de girar, dobrar e moldar as forças da natureza em nosso favor”, um dos objetivos da Bruxaria.

A WICCA HOJE

Quando a Wicca saiu das brumas e passou a percorrer o mundo, inúmeras pessoas começaram a identificar-se com esta manifestação religiosa por ela ser a única, até aquele momento, que tinha uma divindade central feminina como Criadora.

A partir do seu surgimento em 1951, a Wicca adquiriu novas expectativas e passou por significativas transformações, sendo abraçada pelos movimentos feministas e ambientais, ganhando uma nova cara, muito mais matrifocal e orientada para a Deusa do que no início da sua história, relegando ao Deus uma posição secundária. Isso é compreensível, uma vez que o Sagrado masculino foi reverenciado por milhares de anos, enquanto a Deusa foi mutilada e esquecida.

Foi em 1970 que o movimento feminista abraçou a Wicca como a sua religião “oficial”, encontrando na Deusa uma figura forte e capaz de provocar mudanças profundas no pensamento da sociedade e na sua forma de encarar o mundo. Muitas Tradições feministas surgiram com isso e contribuíram com um substancial material criativo e de qualidade que mudaria para sempre a Wicca!

Mulheres que lutavam pelos direitos de igualdade entre os gêneros encontraram nessa religião um porto seguro para se sentirem fortes, vivas e ativas. Foi na Wicca que elas encontraram uma religião capaz de resgatar a sua dignidade, tanto social quando religiosa.

Deste movimento crescente surgiram várias Tradições desta religião, desde as ramificações onde a Deusa e o Deus possuem a mesma importância, até outras onde o Deus é menos visível e a Deusa exerce supremacia e preponderância.

Junto com o crescimento e divulgação da Wicca, em meados dos anos 80, começaram a surgir vários outros movimentos Pagãos, tais como o Druidismo, Kemetismo, Helenismo e outros.

Como a Wicca trazia na sua estruturação influências celtas, nórdicas, gregas e sumerianas, já que estas culturas também foram herdeiras da Religião da Deusa, com o passar do tempo muitos grupos foram-se separando, em busca da identidade espiritual e cultural dos Deuses com os quais se sentiam mais conectados. Surgem assim os movimentos reconstrucionistas, que tentam reconstruir o culto aos antigos Deuses exatamente da mesma forma como era no passado.

Junto a uma nova identidade, a Wicca começava à assumir a Deusa como o centro de culto desta religião, tendo sido esta cada vez mais enfatizada. Ela passou a ser invocada nos ritos como "A Deusa dos dez mil nomes" (assim como Ísis, que era todas as Deusas numa) e a afirmação de que todas as Deusas são a mesma Deusa passou a ser definitivamente aceita entre os Wiccanianos e largamente utilizada em diversos segmentos do Paganismo.

A Wicca torna-se, então, uma religião que reconhece a Deusa como a Criadora e principal Divindade e mesmo que alguns para Wiccanianos que se considerem politeístas, esta religião reverencia uma Deusa única manifesta sob diferentes formas, nomes e atributos.

Se em meados da década de 1950 a Wicca era considerada muito mais um sistema mágico do que uma religião, hoje a realidade é completamente diferente. Muitos foram os grupos de Wiccanianos que se organizaram para legitimá-la como uma verdadeira religião, fazendo-a ser aceita, reconhecida e respeitada em diferentes segmentos da sociedade.

PRINCÍPIOS E CRENÇAS DE WICCA

Muitos consideram a Wicca uma religião Politeísta uma vez que reverenciamos várias divindades como faces da Deusa e do Deus. Mesmo podendo ser considerada Politeísta, e até mesmo Monoteísta, uma vez que acredita em uma única fonte de energia (a Deusa), a Wicca é na realidade uma religião:

- Henoteísta, observando a existência de várias divindades, mas atribuindo a criação de todas a uma divindade suprema: a Deusa.
- Panteísta, na sua visão de mundo, o que significa o reconhecimento do Sagrado em todas as coisas, vendo Deuses e a natureza como sendo unidos. Assim, o mundo torna-se divino e sagrado na sua essência.

A Teoria do Efeito Borboleta, para descrever como pequenas variações podem afetar um gigante e complexo sistema, é extremamente compatível com a visão de mundo e espiritualidades propostas pela Wicca, uma vez que o Divino não é algo transcendente e nem separado da humanidade. Ele está dentro, fora e ao nosso redor. Acredita-se que todas as coisas que existem são diferentes manifestações da Deusa, pois por Ela foram criadas. Isto desenvolve a ideia de que tudo está interconectado, como fios de uma mesma teia que forma o grande todo. Se um de seus fios for danificado, toda a teia também será. Assim, prejuízos individuais são encarados de maneira coletiva e o dano de um é prejudicial para o todo. A isso damos o nome de imanência. Este conceito é muito antigo e podemos encontrar referências a ele em diversas culturas centradas na Terra.

Entretanto, a Física descobriu algo interessante que nomeou de “Efeito Borboleta”, que afirma cientificamente que tudo o que existe está interligado. Em termos de clima, por exemplo, isso traduz-se na noção de que uma borboleta que agite o ar com as suas asas hoje na Austrália, pode influenciar tempestades no próximo mês no Texas. Isto demonstra que pequenas ações provocam consequências gigantescas e os princípios das crenças Wiccaniana estão fundamentados exatamente nisto. Este é o ponto de partida para entendimento da conduta e ética de um Bruxo.

A Wicca não possui grandes listas de regras e leis para serem seguidas, mas existem certas condutas com as quais muitos Wiccanianos norteiam as suas vidas.  A Wicca é uma religião libertária, onde não existem diversas regras que digam o que devemos fazer ou como devemos viver. Apenas dois princípios são aceitos de maneira comum a todos os Wiccanianos: o Dogma da Arte, que é também chamado de Rede Wiccaniana, e a Lei Tríplice. Aqui encontram-se listados alguns dos princípios e crenças Wiccanianas mais comuns.

WICCA, A RELIGIÃO DA NATUREZA

A maioria das religiões mais visíveis na atualidade falam sobre a relação do ser humano com as outras pessoas, a Wicca vai muito além. Ela fala não só sobre as nossas relações humanas, mas também com os animais, natureza e connosco mesmos.

Wiccanianos celebram a mudança das estações e das fases lunares através de rituais capazes de nos conectar com os fluxos e refluxos trazidos para a Terra e, consequentemente, para as nossas vidas em decorrência dessas mudanças naturais.

A natureza é o coração e alma da religião Wicca que ensina que todos os seres, animados e inanimados, possuem vida e são merecedores de nosso respeito e consideração. Sendo assim, vemos a natureza como diferentes faces da Deusa capazes de nos suportar, proteger, alimentar e manter vivos. Por esta razão, os Wiccanianos expressam uma grande reverência à natureza e buscam no seu dia-a-dia formas de se integrarem à ela, procurando viver em harmonia com as leis naturais, levando em consideração formas de se viver ecologicamente, reciclando, reutilizando e reduzindo a exploração dos recursos naturais.

Hoje em dia muitos Bruxos são ecologistas, ambientalistas, líderes comunitários, sempre preocupados com a atual situação ecológica e social. Alguns são vegetarianos, outros recicladores conscientes e muitos ainda tornam-se ativistas ambientais comprometidos na luta e preservação da Terra. Cada um possui o seu próprio chamado.

Encarar a Terra como Sagrada é vital para os Wiccanianos. Isto facilita a conscientização de nosso verdadeiro lugar no mundo e na sociedade. De acordo com o pensamento Wiccaniano, a Terra é um organismo vivo e quando preservada e reverenciada torna-se nossa aliada e não inimiga. O contrário ocorre quando ela é explorada e usurpada.

Se tudo na natureza é vivo e possui um espírito, também carrega em si sabedoria, muito mais antiga e sábia, para ser compartilhada com os seres humanos do que os nossos conhecimentos atuais. As forças encontradas na natureza desejam se comunicar connosco para ensinar a forma de curar a Terra e mostrar o caminho de volta para um modo de vida em maior harmonia.

Todos os Wiccanianos acreditam que a Terra está doente e que o retorno da Deusa será capaz de promover a cura da Mãe Terra. Por isso, devemos viver em harmonia com ela, reverenciando todas as formas de vida e precisamos desenvolver maneiras de nos religarmos à Deusa para que ela continue a dar-nos vida, força e energia para crescer.

As principais características da Wicca como religião da natureza baseiam-se:
  • Na crença de que rituais e poderes adormecidos dentro de nós precisam ser despertos para transformar e curar a vida.
  • Na convicção de que devemos buscar através da natureza formas de entrar em contato com ela, buscando a nossa reconexão com os seus fluxos naturais que invariavelmente trazem mudanças interiores em cada ser.
  • Na afirmação da vida e da sua sacralidade da Terra como símbolo da perfeição, totalidade, unidade, completude e cura para todos os males
  • Nas forças da natureza como a energia sustentadora da vida, vendo nela a própria Deusa manifestada.
  • Na preservação e cuidado com a natureza, considerada templo e moradia dos Deuses em que acreditam.
A Wicca não é uma religião antropocêntrica e exactamente por isto não coloca as necessidades humanas acima daquelas encontradas na natureza. A sua filosofia prega um melhor relacionamento entre homem e natureza. Para a Wicca também não existe a ideia de que a natureza deve ser valorizada enquanto a humanidade deve ser desvalorizada: cada coisa tem a sua importância e lugar. A Terra é o corpo da Deusa e cada Wiccaniano através das suas atitudes, respeito à natureza e acções conscientes torna-se uma agulha de acupuntura que trará a cura para o mundo.