16 de dezembro de 2011

A Deusa

"Todas as Deusas são uma só Deusa, todos os Deuses são um só Deus."

A Deusa foi uma das primeiras divindades cultuadas pelo homem pré-histórico. As suas inúmeras imagens encontradas em vários sítios históricos e arqueológicos do mundo inteiro representavam a fertilidade - da mulher e da Terra. Por ser a mulher a doadora da vida, atribuiu-se à Fonte Criadora Universal a condição feminina e a Mãe Terra tornou-se o primeiro contato da raça humana com o divino.

Num momento em que a maioria dos povos e das civilizações se afastou deveras das suas origens, muitos de nós já evoca a consciência de que fomos criados condicionados por uma cosmologia desprovida de símbolos do Sagrado Feminino, a não ser Maria, Mãe Divina. Mas Maria não é a Deusa. Constata-se que a ausência de uma Deusa nas mitologias pós-cristãs se deve ao franco predomínio do patriarcado. Predomínio esse que nos trouxe, ao final do século XX, a uma sociedade norteada pelos valores da competição selvagem, da sobrevivência do mais forte, da violência ao invés da convivência, do predomínio da razão sobre a emoção. Mas a Deusa está a ressurgir. Desde a década de 60, reafirmando-se cada vez mais, a descoberta da Terra como valor mais alto a preservar sob pena de não mais haver espécie humana fez decolar a consciência ecológica e o renascimento dos valores ligados à Deusa: a paz, a convivência na diversidade, a cultura, as artes, o respeito a outras formas de vida no planeta.

Cultuar a Deusa hoje significa reconsagrar o Sagrado Feminino, curando, assim, a Terra e a essência humana. Quer sejamos homens ou mulheres, sabemos que nossa psique contém aspectos masculinos e femininos. Aceitar e respeitar a Deusa como polaridade complementar do Deus é o primeiro passo para a cura de nossa fragmentação dualística interior.

A Deusa é cultuada como Mãe Terra, representando a plenitude da Terra, sua sacralidade. Sobre a Terra existimos e, ao fazê-lo, pisamos o corpo Omnipotente e distante, que vive nos céus... A Deusa é a Terra que pisamos, os nossos irmãos animais e plantas, a água que bebemos, o ar que respiramos, o fogo do centro dos vulcões, os rios, as cores do arco-íris, o meu corpo, o seu corpo... A Deusa está em todas as coisas... Ela é Aquela que Canta na Natureza...

Cultuar a Deusa não significa substituir o Deus ou rejeitá-lo. Ambos, Deus e Deusa são as expressões da polaridade que permitiu que o Grande Espírito, o UNO, se manifestasse no universo. São os dois lados de uma mesma moeda, as duas faces do Todo. Assim, crer na Deusa e no Deus ainda é crer num Ser Supremo que, ao se bipartir, criou o princípio masculino e o princípio feminino, o Yin e o yang, o homem e a mulher.

A Deusa também é a Senhora da Lua e, mais uma vez, a explicação desse fato remonta às cavernas em que já vivemos. O homem pré-histórico desconhecia o papel do homem na reprodução, mas conhecia muito bem o papel da mulher. E ainda considerava a mulher envolta em uma aura mística, porque sangrava uma vez por mês e não morria, ao passo que para qualquer dos homens sangrar significava morte. Portanto, a mulher devia ser muito poderosa, ainda mais que conhecia o "segredo" de ter bebés... É fácil entender porque a mulher era identificada com a Deusa, ou, melhor dizendo, porque a primeira divindade conhecida tinha que ter caracteres femininos... Ainda mais quando as pessoas descobriram que a gravidez durava 10 lunações e a colheita e o suceder das estações seguia um ciclo de 13 meses lunares.

Devido à sua conexão com a Lua e a mulher, a Deusa é cultuada em 3 aspectos: a Donzela, que corresponde à Lua Crescente, a Mãe representada na Lua Cheia e a Anciã, simbolizada na Lua Decrescente, ou seja, Minguante e Nova.

Na tradição da Deusa a Donzela é representada pela cor branca e significa os inícios, tudo o que vai crescer, o apogeu da juventude, as sementes plantadas que começam a germinar, a Primavera, os animais no cio e o seu acasalamento. Ela e a Virgem, não só aquela que é fisicamente virgem, mas a mulher que se basta, independente e auto-suficiente.

Como Mãe, a Deusa está na sua plenitude. A sua cor é o vermelho, a sua época o verão. Significa abundância, proteção, procriação, nutrição, os animais a parirem e a amamentarem, as espigas maduras, a prosperidade, a idade adulta. Ela é a Senhora da Vida, a face mais acolhedora da Deusa.

Por fim, a Deusa é a Anciã, que é a Mulher Sábia, aquela que atingiu a menopausa e não mais verte o seu sangue, tornando-se assim mais poderosa por isso. Simboliza a paciência, a sabedoria, o anoitecer, a cor preta. A Anciã também é a Deusa na sua face Negra da Ceifeira, a Senhora da Morte. Aquela que precisa agir para que o eterno ciclo dos renascimentos seja perpetuado. Este é o aspecto com que mais dificilmente nos conectamos, porém, a Senhora da Sombra, a Guardiã das Trevas e Condutora das Almas é essencial nos nossos processos vitais. Que seria de nós se não existisse a morte? Não poderíamos renascer!

Desta forma, é fácil compreendermos porque a Religião da Deusa postula a reencarnação. Se fazemos parte de um universo em constante mutação, que sentido haveria em crermos que somos os únicos a não participar no processo interminável da vida-morte-renascimento? Essa realidade existe no microcosmo do ciclo das estações, da colheita que tem que ser feita para que se reúnam as sementes e haja novo plantio. É justamente por isso que aqueles que seguem o Caminho da Deusa celebram a chamada Roda do Ano, constituida pelos 8 Sabbats celtas que marcam a passagem das estações. Ao celebrar os Sabbats cremos que estamos ajudando no giro da Roda da Vida, participando assim de um processo de co-criação do mundo.

Por tudo isto, é mais fácil entender porque é que os caminhos, cultos e tradições centrados na Deusa são religiões naturais, fundamentadas nos ciclos da natureza e no entendimento dos seus elementos e ritmos. Estas práticas de magia natural usam a conexão e correlação dos elementos da natureza - Água, Terra, Fogo e Ar, as correspondências astrológicas (signos zodiacais, influências planetárias, dias e horários propícios, pedras minerais, plantas, essências, cores, sons) e a sintonia com os seres elementais (Gnomos, Silfos, Ondinas, Salamandras, Duendes e Fadas).

Nos últimos anos têm assistido o fenómeno chamado "Renascer da Deusa", ou seja, o ressurgimento do arquétipo do divino feminino na cultura, nas artes, na ciência e no psiquismo das pessoas. Fazem parte desse renascimento a preocupação ecológica, as manifestações pela paz, o ressurgimento de religiões baseadas na natureza, pondo em relevo valores femininos: o respeito à Mãe Terra, o reconhecimento dos seres humanos como irmãos dos demais seres, a ênfase na conciliação dos géneros e das pessoas, ao invés da competição, a paz ao invés dos conflitos, as terapias naturais respeitando o corpo e a Terra, a volta dos oráculos (runas, tarot, geomancia) e das práticas xamânicas.

Dentro dessa nova mentalidade, o culto à Grande Mãe pode ser feito em diversos caminhos espirituais. As religiões centradas na Deusa geralmente têm em comum o reconhecimento da natureza como a própria e, por isso, são designadas como Cultos ou Tradições Naturais, muitos deles oriundos ou aplicando os princípios do xamanismo. Os cultos à Deusa são religiões xamânicas, no sentido de reunirem prática de magia natural e contactos com outras realidades, além de se basearem na interacção dos quatro elementos: Fogo, Água, Terra e Ar, unidos pela quitessência que é o Espírito.

Actualmente, existem inúmeros cultos que poderíamos chamar de "centrados na Deusa", ou "A Religião da Deusa". Mas o mais conhecido deles hoje, sem dúvida, é a Tradição Wicca, que influencia de muitas formas todos os demais.

Wicca é uma religião pagã que cultua a Deusa Tríplice e o seu consoante o Deus Cornífero. Ambos são expressões em polaridades do Ser Supremo, a Divindade, chamado pelos nativos norte americanos de Grande Espírito ou o Grande Mistério, O UNO ou a Fonte Criadora, que se manifesta na realidade concreta nas representações da Deusa e do Deus.

Todas as Deusas são uma única Deusa, múltiplas manifestações da Grande Mãe. Cultuar a Grande Deusa pode se manifestar no culto a um ou mais dos arquétipos que a representem nas diversas culturas do mundo. Assim, sejam as Lilith e a Shequinah judaicas, a babilónia Inanna, a havaiana Pele, a chinesa Kwan-In, a japonesa Amaterasu, a inca Ixchel, as africanas Yemanjá e Oyá, ou as hindus Sarasvati e Kali, estará sempre a prestar culto à mesma e única Deusa. As diferentes mitologias enumeram milhares de nomes de Deusas, correspondendo a aspectos ou atributos diversos. Assim, se escolhemos conectar-nos com as Deusas Afrodite ou Ishtar ao procurarmos trabalhar a energia do amor, fazemo-lo porque essas formas do arquétipos, por disposição de milénios, mais se aproximam dessa energia. Se precisamos tratar de estudos ou escrita, criatividade nas artes, invocamos Atena ou Saravasti, por exemplo.